quarta-feira, 1 de abril de 2020

Diário da pandemia. Dia XIV. 31/03

Diário da pandemia. Dia XIV.

31/03

Meu despertar hoje foi investigativo. Depois de me levantar em busca de pistas, olhar nos quintais, nos vestígios, nas entrelinhas, nos detalhes (onde o diabo mora), não consegui ainda descobrir quem colocou um jiló dentro da minha boca enquanto eu dormia. Dois dias de noites maldormidas com febre, na terceira que consegui dormir de cansaço, me pregam essa peça. Escovei os dentes duas vezes e isso melhorou muito, depois de enxaguar só parecia que eu tinha bebido uma dose de Campari com rúcula(acredite, estava pior). Durante a manhã foi interessante notar as alterações que o paladar sofre por já estar com um gosto remanescente na boca e garganta. O pão parecia ter sido mergulhado no chá de boldo, em vez de café. No almoço, a sopa (que estava excelente) depois de engolida, tinha um retrogosto de babosa. À tarde umas bolachas pareciam levemente temperadas com malvão. Esse dia foi um show de sabores.
Li menos hoje. Como estava me sentindo melhor, já sem febre, menos dor, voltei a trabalhar. Ainda assim o pouco que avancei em menos de uma hora é cativante. Gosto de histórias de família. (eu já havia começado esse livro há um tempo atrás, mas, não concluí a leitura, é um recomeço do zero).
Dediquei ainda uma parte da tarde pensando e pesquisando formas para conseguir, de fato, um contato escolar com meus alunos à distância. O tempo(presente) exige isso e esse tempo(atualidade) é incerto. Pareceu-me ter encontrado uma plataforma e já comecei a trabalhar com ela para ter uma ideia do funcionamento e dos problemas. Também preciso imaginar meios, para ajudar os outros professores menos afeitos ao mundo [online].
Assisti também uma exposição do professor Didier Raoult, diretor do (IHU) Méditerranée Infection de Marselha. Homem com um tremendo currículo acadêmico mas um péssimo currículo moral e ético. Como os malucos de plantão e os mal-intencionados que se fazem de malucos, o estavam citando fui conhecer o cara e suas ideias. Assisti a palestra em francês pois era a mais nova que havia dele. Portanto, entendi só a ideia central. Depois encontrei uma versão legendada, que melhorou minha vida. O interessante, é que esse senhor usou como base para sustentar a defesa da cloroquina e da hidroxicloroquina, um estudo que ele mesmo fez (ele cita outros mas nenhum é categórico sobre o composto pois, escritos por gente mais honesta) com uma amostragem de pessoas risível. Veja: 26 pessoas (recebendo medicamento) com um grupo de controle de 16 (sem medicamento), ele mostra o resultado de 14 curas (dessas 14, duas do grupo de controle que não tomou nada e 6 que estavam tomando azitromicina junto) sobram 6. Por alguma razão ele também esqueceu, inocentemente, de citar as reações adversas ao tratamento, coisa simples como um morto e três internados na UTI.
Por que fazer um estudo sério, com centenas ou milhares de pessoas, duplo-cego, randômico e prospectivo, se posso pegar um punhado de cobaias, em menos tempo, gastando menos recursos, para afirmar o que eu quiser tirar da cavidade retal? Esse francês não só descobriu a cura para a COVID19, ele descobriu uma nova forma, mais rápida e barata de fazer ciência. Seria muita cara de pau, esse maluco vir com essa ideia sustentada por um experimento assim? E usar esse estudo para convencer pessoas pouco afeitas à ciência, mas muito satisfeitas com discursos exagerados e taxativos? Que você acha?
Não, não é cara de pau, é mau-caratismo. Assim como é mau-caratismo qualquer um que souber ler algum estudo acreditar e divulgar isso.
Quem honestamente seria contra a descoberta de um medicamento que funciona? Se você não anda com papel-alumínio na cabeça, nem usando régua pra provar terra plana, sabe que ninguém.
Mas eu sei quem é desonesto e por isso contra coisas que funcionam, tipo método científico e opinião especializada. São as mesmas pessoas que negam o holocausto, o aquecimento global e a ditadura.
Jr.